Leitor progressivo - Filosofia do Bhagavata


O Leitor progressivo e o leitor infrutífero

Por Srila Saccidananda Bhaktivinode Thakur

Amamos ler um livro que nunca havíamos lido antes. Ficamos ansiosos em obter qualquer informação nele contida. E com tal obtenção feita, nossa curiosidade cessa. Este espírito de estudo prevalece entre um grande número de leitores que são grandes homens em sua própria apreciação, bem como daqueles que lhes são semelhantes. De fato, a maioria dos leitores são meros repositórios de fatos ou afirmações feitas por outras pessoas. Mas isto não é estudo. O estudante deve ler os fatos visando criar, e não com o objetivo de retenção infrutífera. Os estudantes, como satélites, devem refletir qualquer luz que tenham recebido dos autores, e não aprisionar os fatos e pensamentos assim como os magistrados aprisionam os criminosos na cadeia!
O pensamento é progressivo. O pensamento do autor deve progredir no leitor, na forma de correção ou desenvolvimento. O melhor crítico é aquele que pode mostrar o desenvolvimento subsequente de um velho pensamento, mas o mero denunciador é o inimigo do progresso e consequentemente, da natureza. Deve haver correções e desenvolvimento no decorrer do tempo. Mas, o progresso significa ir adiante ou elevar-se cada vez mais. O crítico superficial e o leitor infrutífero são dois grandes inimigos do progresso. Devemos evitá-los. O verdadeiro crítico, por outro lado, aconselha-nos a manter aquilo que já obtivemos e ajustar nossa marcha a partir do ponto onde chegamos. Ele nunca nos aconselhará a voltar ao ponto de onde começamos, uma vez que neste caso haveria uma perda infrutífera do nosso precioso tempo e trabalho. Ele orientará o ajuste do ângulo de nossa marcha a partir do ponto onde estamos. Esta também é a característica do estudante útil. Ele lerá um velho autor e encontrará sua posição exata no progresso do pensamento. Ele nunca aconselhará queimar um livro sob alegação que possui pensamentos inúteis. Nenhum pensamento é inútil. Os pensamentos são meios pelos quais alcançamos nossos objetivos. O leitor que denuncia um mal pensamento não sabe que até mesmo uma má estrada é capaz de melhorar e desembocar em uma boa. Um pensamento é uma estrada que leva a outra. Assim, o leitor observará que um pensamento que é o objeto hoje, será o meio de um objeto subsequente amanhã. Os pensamentos necessariamente continuarão a ser uma interminável série de meios e objetos no progresso da humanidade. Os grandes reformadores sempre afirmarão que vieram não para destruir a antiga lei, mas para cumpri-la. Valmiki, Vyasa, Platão, Jesus Cristo, Maomé, Confúcio e Chaitanya Mahaprabhu afirmam este fato expressamente ou por suas próprias condutas. Nosso crítico, entretanto, pode nobremente dizer-nos que um reformador como Vyasa, a menos que puramente explicado, pode em pouco tempo, levar milhares de homens a uma situação problemática. Mas, querido crítico, estude as histórias das eras e países! Onde você encontrou um filósofo ou reformador que foi plenamente compreendido pela população? A religião popular é medo de Deus, e não o puro amor espiritual que Platão, Vyasa, Jesus e Mahaprabhu ensinaram aos seus respectivos povos! Quer você dê a religião absoluta através de expressões figurativas ou simples, ou ensine-as por meio de livros ou palestras orais, o homem ignorante e o homem não pensativo certamente a degradarão. Na verdade, é muito fácil dizer, e agradável ouvir, que a Verdade Absoluta tem tal afinidade com a alma humana que se revela de modo como que intuitivo, e que nenhum esforço é necessário para nos ensinar os preceitos da verdadeira religião, mas esta é uma idéia enganosa. Isso pode ser verdade no que diz respeito à ética e ao alfabeto da religião, mas não no que se refere à forma mais elevada de fé, que requer uma alma exaltada para compreendê-la. Todas as verdades superiores, embora intuitivas, requerem prévia educação nas verdades mais simples. A religião mais pura é aquela que dá a ideía mais pura de Deus. Como então é possível que o ignorante obtenha a religião absoluta, enquanto permanece ignorante? Assim, não devemos escandalizar o salvador de Jerusalém ou o salvador de Nadiya por estes males subsequentes. Luteros, ao invés de críticos, é o que queremos para a correção daqueles males através da verdadeira interpretação dos preceitos originais. Deus dá-nos a verdade, como deu a Vyasa, quando ansiosamente buscamos por ela. A verdade eterna inexaurível. A alma recebe revelação quando está ansiosa por ela. As almas dos grandes pensadores de eras passadas, que agora vivem espiritualmente, frequentemente se aproximam do nosso espírito indagador e o assistem em seu desenvolvimento. Assim, Vyasa foi assistido por Narada e Brahma. Nossas escrituras, ou ‘livros de pensamento’, não contém tudo que poderíamos obter do Pai Infinito. Nenhum livro está desprovido de erro. A revelação de Deus é Verdade Absoluta, mas é escassamente recebida e preservada em sua pureza natural. No Srimad Bhagavatam, somos aconselhados a acreditar que a verdade, quando revelada, é absoluta; no entanto obtém a mácula da natureza do receptor no decorrer do tempo, e se converte em erro pela contínua troca de mãos. Novas revelações, portanto, são necesárias para manter a verdade em sua pureza original. Assim, somos advertidos a ser cuidadosos em nossos estudos de velhos autores, por mais sábios que eles sejam no que diz respeito à sua reputação. Aqui, temos plena liberdade de rejeitar a idéia errônea, que não é sancionada pela paz da consciência. Vyasa não estava satisfeito com aquilo que coletou nos Vedas, dispôs nos Puranas, e compôs no Mahabharata. A paz da sua consciência não sancionava seu trabalho. Ela lhe dizia internamente: “Não, Vyasa! Não deve descansar contente com o quadro errôneo da verdade que lhe foi necessariamente apresentado pelos sábios de tempos passados! Deves, tu próprio, bater à porta do reservatório inexaurível da verdade, do qual os sábios antigos retiraram sua riqueza. Vá! Vá à fonte da verdade, onde nenhum peregrino encontra qualquer tipo de desapontamento”. Vyasa o fez e obteve o que desejava. Todos nós somos aconselhados a fazer o mesmo. A liberdade, então, é o princípio que devemos considerar como a mais valiosa dádiva de Deus. Não devemos permitir que sejamos liderados por aqueles que viveram e pensaram antes de nós. Devemos pensar por nós mesmos, e tentar obter verdades subsequentes que ainda não estão descobertas. No Srimad Bhagavatam (11.21.23) somos aconselhados a absorver o espírito dos sastras, e não as palavras. O Bhagavata é a religião da liberdade, verdade descontaminada, e amor absoluto. A outra característica é o progresso. A liberdade certamente é a mãe de todo progresso. A santa liberdade é a causa do progresso cada vez mais elevado na eterna e interminável atividade de amor. Liberdade mal usada causa degradação, mas o Vaishnava deve sempre usar cuidadosamente esta bela dádiva de Deus. O espírito deste texto apresenta-se para honrar todos os grandes reformadores e mestres que viveram e viverão em outros países. O vaishnava está pronto a honrar todos os homens, sem distinção de casta, porque eles estão repletos de energia de Deus. Vedes quão universal é a religião do Bhagavata. Ela não se destina a uma certa classe de Hindus apenas, mas é uma dádiva para os homens em geral, estejam eles em qualquer país ou sociedade. Em suma, o Viashnavismo é o Amor Absoluto unindo todos os homens ao infinito, não-condicionado e absoluto Deus. Que a paz reine para sempre em todo universo no contínuo desenvolvimento de sua pureza, através do esforço dos futuros heróis, que serão abençoados, de acordo com a promessa do Bhagavata, com poderes do Pai Todo-Poderoso, O Criador, Preservador e Aniquilador de todas as coisas no céu e na terra.


De uma palestra em inglês dada em Dinajpur, Bengala Ocidental, Índia, em 1869

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