Misericórdia e sofrimento


      Mundo material significa sofrimento. Mesmo que às vezes, devido ao bom karma, pode-se experimentar momentos de felicidade mundana, isso é inconstante e o fim será sempre sofrimento seguido de morte, ninguém pode escapar disso estando neste mundo. Devotos também sofrem, mas o sofrimento dos devotos é diferente do sofrimento dos não-devotos, ou materialistas. A maneira que eles enxergam o sofrimento e como agem diante dele também é diferente. O materialista está absorto na concepção corpórea de vida e não tem nenhuma conexão espiritual com Deus e Seus devotos, assim, quando algum sofrimento chega até ele- a alguém que julga ser o corpo, como infâmia, perda de riquezas, de pessoas que lhes são queridas etc, ele sofre grande miséria perante tal situação, pois aquilo que está relacionado com seu corpo é tudo para tal pessoa. Já para o praticante espiritual, o devoto, quanto mais avançado ele é na sua prática, menos ele sofre, pois cada vez mais ele está em contato com as afeições e relações espirituais, de alma com alma, com os eternos devotos puros do Senhor e com o próprio Senhor, e então não dá tanta importância para as condições materiais vacilantes naturais desse mundo. Ele também compreende que sofrimento e felicidade chega até ele por conta própria de acordo com suas prévias ações passadas- de acordo com seu próprio karma, e por isso, não culpa ninguém por suas misérias. Até mesmo nos estágios iniciais da devoção ele também não sofre tanto com perdas e misérias mundanas, referentes ao seu corpo material. Assim, só há uma maneira de acabar com o sofrimento material- se tornar um servente de Deus através da prática diária de devoção. Felicidade espiritual que diferentemente da mundana, é ininterrupta e aumenta constantemente, também depende apenas disso. Outra diferença é a atitude do devoto perante tais situações. Śrīla Bhakti Vaibhav Puri Maharaj diz o seguinte: “Kunti disse: ‘Eu quero apenas Você (Kṛṣṇa)! Não estou com medo das adversidades, Eu tenho sofrido. Sou mãe desses garotos (Pandavas). Sou esposa de um Rei, mas tive que passar por todas estas dificuldades, tantas que ninguém é capaz de sofrer dessa forma. Eu sofri, mas não me preocupo. Preocupo-me somente com Suas bênçãos, eu só desejo Suas bênçãos.’ Até mesmo devotos sofreram, veja Tukaram, Narasimha-beta, Tulasidas, sem sofrer ninguém pode se tornar devoto. A pessoa deve ser direta, sincera, deve falar a verdade, e não deve se preocupar com dinheiro, riqueza ou prestígio-poder. Ela deve se preocupar apenas em receber as bênçãos do Senhor. Tat te ‘nukampam su-samiksamano, bhunjana evatma-krtam vipakam. Brahma diz: ‘Eu vou sofrer, mas eu desejo Suas bênçãos. Eu não Lhe peço para remover minhas misérias. Não. Que eu as sofra. Eu não desejo liberação, desejo apenas bhakti-devoção. Desejo apenas Seu serviço e nada mais.’” (No Srimad Bhagavat 10.88.8, também é dito que quando o Senhor favorece alguém, Ele pessoalmente lhe tira toda sua riqueza, e então todos seus amigos e familiares também lhe abandonam por não possuir mais dinheiro, e então ele sofre uma miséria atrás da outra. Assim, vemos que se alguém é realmente favorecido por Deus, Ele lhe tira todas as suas posses, para que em uma condição aparentemente miserável, tal pessoa aumente a intensidade da sua devoção e apego apenas a Ele, e então dependa apenas da misericórdia do Senhor.)
                                                        
   Assim, vemos que o espiritualista desejoso por receber a verdadeira misericórdia do Senhor não se importará muito com esse dito sofrimento material. Claro que não é tarefa fácil visto que estamos sempre sujeitos a tentarmos escapar de situações incômodas ou a revidar quando pensamos que somos injustiçados de alguma forma, como que um hábito adotado por milhares de vidas passadas nessa nossa perambulação pelo universo material, ainda assim, o devoto, ou o espiritualista, diferentemente das pessoas comuns (materialistas), evitará pedir a Deus para lhe livrar de qualquer aparente má situação mundana e muito menos recorrerá a processos de fuga como desfrute sensual, filosofias ilusionistas como Budismo (niilismo) e Shivaísmo (impersonalismo) onde Deus e até a própria individualidade espiritual são negados, uso de drogas ou até suicídio, senão que tentará de todas as formas, tolerar tudo isso sabendo que é fruto de suas próprias más ações passadas (karma) e continuar seu processo de devoção com fé inabalável. Devemos orar para que Deus nos abençoe com a dádiva da tolerância, para que nos momentos difíceis continuemos nossa vida devocional com clareza de entendimento e firmeza apropriada.
Em uma de suas canções, nosso Śrīla Bhaktivinod Thakur ora da seguinte maneira: “Na boa fortuna e na má, na vida e na morte, todas as minhas dificuldades tem se escondido por aceitar Seus pés de lótus. Me mate ou me proteja como Você desejar. Você tem completa propriedade sobre este Seu servente. Que eu tome nascimento como um verme, desde que seja na casa de Seu devoto. Não desejo um nascimento como o de Brahma mas adverso a Você.”

Esta é a oração do devoto, na felicidade e na tristeza, ele ora apenas para que jamais perca o contato com Seu Senhor e Seus devotos. Ele não se importa em sofrer na terra ou no inferno, desde que esteja na associação dos devotos. Com esta atitude, ele permanece interiormente sempre pacífico e equânime, sabendo que as dualidades desse mundo são passageiras e que o Senhor lhe reserva algo especial em Sua morada. Sobre isso, Śrīla A.C. Bhaktivedanta Swami Maharaj (Prabhupad) disse o seguinte: “Na verdade, aqueles que são conscientes de Kṛṣṇa não tem sofrimento material. Apesar de parecer que eles estão sofrendo, eles não estão sofrendo. Eles podem aceitar qualquer dito sofrimento e aceitar isso como misericórdia de Kṛṣṇa. Eles nunca tomam isso como (real) sofrimento. Quando um devoto está sofrendo- esse assim chamado sofrimento, ele agradece Kṛṣṇa: ‘Eu tinha que sofrer muito mais, mas Você minimizou isso, me dando apenas um pouco de sofrimento. Então, isso é devido a Sua misericórdia. E se alguém vive com esta atitude, então lhe é garantido voltar ao lar, voltar ao Supremo.”

Um exemplo que todos conhecem no ocidente é o do Senhor Jesus Cristo. Quando ele estava aparentemente sofrendo as dores da crucificação, ele não estava se lamentando, nem culpando outros pelo ocorrido. Ele apenas pedia: “Ó Senhor, essas pessoas não sabem o que fazem, dê-lhes inteligência apropriada para que possam um dia, ir também até Você.” Dessa maneira, o devoto que lembra constantemente do Senhor, jamais se lamenta e está sempre fixo em seu objetivo que é servir a Deus com devoção em qualquer que seja o ambiente que se encontre.

 baladev das

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